quinta-feira, 16 de junho de 2011

O Nascimento de Cúchulainn - Por Corujão

Dechtire a mãe de Cúchulainn estava sentada à sua festa de casamento prestes a se casar com o chefe de Ulster Sualtam. Quando uma mosca pousou em sua taça de vinho. Ela bebeu o vinho sem perceber e caiu em um sono profundo.  Lugh, o deus da luz lhe apareceu num sonho e lhe revelou que ele era a mosca que ela havia engolido. Ele transformou Dechtire e as suas cinqüenta donzelas que serve em um bando de pássaros, e todos eles desapareceram sem deixar rasto.

Muitos meses depois, os Guerreiros de Emain Macha estavam caçando, quando notaram um bando maravilhoso de lindos pássaros, então eles decidiram dar caça a estas aves. Eles seguiram em seus carros por um bom tempo até que a escuridão caiu, e eles descobriram que haviam chegado Brugh nd Boyne o lar dos Deuses e Deusas. De repente, viram uma sala grande, de tal magnificência que nunca conseguia se lembrar de ver antes.

Um homem alto e bonito cumprimentou-os e convidou-os dentro de alguns alimentos e bebidas. Quando entraram, viram uma linda mulher com suas cinquenta donzelas servindo sentado à mesa, que estava carregado com a festa mais suntuosa que já tinham posto os olhos. Quando tinham acabado de comer e beber eram oferecidos leitos para a noite e devidamente aposentado. No entanto o sono foi quebrado pelo choro de um bebê recém-nascido no meio da noite.

Quando acordou seu hospedeiro revelou que ele não era outro senão Lugh, o Braço-Longo e que a mulher é Dechtire meia-irmã do rei Conchobar mac Nessa , e que ela tinha acabado de dar à luz um filho que era para ser levado de volta para Emain Macha e criado na corte e treinado nos caminhos do guerreiro. Assim, os guerreiros escoltado Dechtire, seu filho e as suas cinqüenta donzelas de volta à Emain Macha, onde houve muita alegria em seu retorno seguro. Sualtam recebeu ela e seu filho em sua casa e cuidou do menino como a sua própria carne e sangue, e ele foi nomeado Setanta, posteriormente conhecido como o herói Cúchulainn

sexta-feira, 10 de junho de 2011

A Deusa da Guerra e o Herói de Ulster


Falando em Morrigan, não poderia deixar de citar sua belíssima história com o Herói de Ulster Cuchulainn.


Morrigan e Cuchulainn - Por Corujão



Morríghan também surge com grande importância na saga do maior herói irlandês: o guerreiro Cu Chulainn. Cuchulainn é um herói do "Ciclo de Ulster", uma das mais antigas coleções irlandesas de lendas heróicas. Ele era um mortal, nascido para morrer, separado dos demais por características curiosas e anormais e destinado desde o princípio a um estranho destino.

Cuchulainn era o que tinha sete pupilas em cada olho, sete dedos em cada mão e sete dedos em cada pé. Suas bochechas eram pintadas de amarelo, verde, azul e vermelho. Seus cabelos eram escuros na raiz, vermelhos no meio e loiro nas pontas. Seguia carregado de adornos: cem enfiadas de jóias na cabeça e cem broches de ouro no peito. Essa era seu aspecto em tempo de paz e que aparentemente era muito admirado.

Quando era possuído pelo frenesi da guerra, mudava completamente. Girava dentro da sua pele, de modo que seus pés e joelhos ficavam para trás e as panturrilhas e as nádegas ficavam na frente. Seus compridos cabelos ficavam eriçados e cem cada fio ardia uma faísca de fogo, uma labareda surgia de sua boca e no centro da cabeça brotava um arco de sangue negro. Um olho lhe caía até a altura da bochecha e o outro entrava no crânio; em sua fonte brilhava "a lua do herói". Seu frenesi era tão grande que tinham que submergi-lo em três tinas de água gelada para que pudessem fazê-lo retornar a sua temperatura normal.


Ainda menino, a força de Cuchulainn era enorme, pois aos sete anos matou o feroz cachorro de Cullan, o Ferreiro. Para expiar sua ação, se ofereceu para tomar o posto do cão e guardar o Ulster. Trocou o nome de batismo de Setanta para Cuchulainn, "Cão de Cullan" e guardou Ulster até sua morte.
Cuchulainn encontra-se pela primeira vez com Morrigan ainda menino, quando caminhava por um campo de batalha para encontrar o rei e seu filho.
A Deusa sobrevoa o campo em forma de corvo e faz troça dele dizendo:
-"Aquele que se sujeita a fantasma, não dará um bom guerreiro".

Cuchulainn por ser tão jovem, não reconhece a Deusa, mas percebe que está recebendo um incitamento à valentia.
O próximo encontro dos dois se dá quando Cuchulainn tenta retardar a chegada do exército da rainha Maeve. Desta vez, Morrigan surge na forma humana, apresentando-se como uma bela e sedutora jovem, dizendo-se apaixonada e disposta a casar com ele e compartilhar toda sua fortuna. Demonstrando obstinação por sua jornada heróica, ele a recusa. Não se deixou, portanto, envolver com a sutil sedução do seu inconsciente, para permanecer no âmbito que lhe era conhecido e familiar. Para Cuchulainn, ele deveria suportar o fardo da solidão. E, muito embora Morrigu continue insistindo, dizendo que poderia ajudá-lo em combate, ele responde:
-"Eu não vim até aqui por causa de um quadril de mulher."

Com essas palavras, traçou seu trágico destino, pois imaginava que seu pior inimigo estava à sua frente e, no entanto, o inimigo estava era dentro dele.
Em uma outra passagem, Cuchulainn, como guardador e protetor de Ulster, observa uma mulher que conduzia uma carroça. Ao seu lado caminha um senhor e uma vaca presa por uma corda. Ao abordá-los, indaga ao homem como conseguiram a vaca. Quem responde é a mulher e ele irritado retruca:
-"Uma mulher não deve responder por um homem."

Volta-se novamente ao homem e pergunta seu nome. A mulher volta a responder por ele e Cuchulainn, totalmente fora de controle salta em cima dela e aponta a lâmina de sua espada para a cabeça da mulher. Nervosa, ela explica que recebera a vaca como presente por ter recitado um belo poema e que recitaria para ele se saísse de cima dela. Cuchulainn ouviu a declamação dos versos e quando se prepara para voltar a atacar a mulher, percebe que a carruagem e a mulher haviam desaparecido e em seu lugar ficou um corvo pousado em um galho que lhe diz que está ali "guardando a sua morte". Dessa vez, têm consciência que é a própria Deusa Morrigan e que ela veio avisá-lo que sua morte é iminente.

Em um combate que se seguiu contra os soldados de Connacht, Cuchulainn foi atrapalhado por diferentes animais: primeiro uma vaca, depois uma enguia, e por fim uma loba. Todos os animais foram feridos com a espada de Cuchulainn, mas na verdade, todos eram Morrigan. Para curar-se das feridas, teve que disfarçar-se de anciã e pedir à Cuchulainn que ordenhasse sua vaca mágica. Ao receber das próprias mãos do herói três bocados do leite da vaca curaram-se de todos os ferimentos.

Antes de uma nova batalha contra os guerreiros de Connacht, Cathbad e Cuchulainn passeavam a margem do rio, quando avistaram a "Lavadeira do Vau", um tipo de mulher-fantasma que freqüenta as margens dos rios e arroios, chorando e lavando as roupas e as armas sujas de sangue, dos guerreiros que morrerão em combate.
Cathbad diz então:

-"Você vê Cuchulainn, a filha de Badb lavando seus restos mortais?" É o prenúncio de sua morte! Entretanto, Morrigan, talvez comovida com o trágico fim de Cuchulainn, desaparece com a carruagem de combate enquanto ele dormia. Mas nada o impedirá de ir de encontro ao seu já traçado destino.

No dia seguinte, no fervor da batalha, Cuchulainn gravemente ferido, amarra-se ao pilar de uma pedra e segue lutando. Quando está próximo da morte, Morrigan aparece pela última vez, agora como um corvo que pousa no ombro do valente herói e depois com um movimento ele salta para o solo, onde jazem as vísceras do corpo de Cuchulainn. Aparentemente inconsciente, ele não reage, até que ao caminhar entre as vísceras, o corvo tropeça, arrancando assim um sorriso do moribundo. Esse sorriso é seu último suspiro.


É sintomático que, em seu último momento juntos Morríghan e Cuchulainn tenham agido da mesma forma que sempre agiram, um aparentemente prejudicando o outro, mas na verdade interagindo em nome da força que os unia.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Morrigan... Morte e Vida, Sexualidade e Amor, Guerra e Magia.

Achei interessante postar o texto abaixo, pois ajuda a esclarecer alguns pontos sobre os Deuses Celtas. Para que eles possam ser diferenciados de Deidades de outros panteões. Os Deuses celtas tinham suas próprias características, não há como equiparar ou classificar nenhum deles. São seres divinos com vontades próprias. Esse texto mostra isso belissimamente. Afinal, porque a Deusa da Guerra, também não pode ser a Deusa do Amor???

 

Deusa do Amor e da Magia - Por Corujão



Na mitologia celta em contrapartida as outras culturas não definiam apenas uma Deusa para representar o Amor, outra a Beleza ou a Magia. Esses atributos são características implícitas praticamente em todas as Deusas do panteão celta. Temos Briga que é representada nas histórias como uma mulher  de radiante luz e beleza, além de ser ferreira produzindo armas mágicas e poetiza que com seus versos tocava o coração de qualquer ouvinte. Cerridwen, senhora do caldeirão sagrado que ferve noite e dia para obter a sabedoria ao seu filho Morfran já que esse não possui beleza. Blodeuwedd deusa de extrema beleza, da sedução e da magia.

De todas as Deusas presentes na mitologia a mais fascinante em reunir todos esses atributos acredito que seja Morrigan. Ela é a Deusa da Morte, da Vida, da Senxualidade, do Amor, da Guerra e da Magia. Nas lendas era invocada quando os soldados celtas entravam em batalha e a própria Morrigan vinha buscar aos tivessem feito atos de extrema bravura. Para os celtas a morte não era o fim, mas o começo de um Outro Mundo, início de um novo ciclo.


Morrigan e Dagda

 Na primeira batalha de Moytura, Morrigan tem sua aparição sitada como “As filhas de Emmas” - Morrigan, Badb e Macha,  atacando os Fir Bolg com banhos de magia e nuvens tempestuosas e névoa, e poderosas chuvas de fogo e um jato de sangue derramado do ar sobre as cabeças dos guerreiros inimigos. Uma descrição perfeita do se pode esperar de deusas da guerra em ação. Ao assistir a fúria com que a guerra era travada, o bardo dos Fir Bolgs diz que Badb, que significa “corvo”, ficará grata pelos corpos perfurados deixados no campo de batalha.
Na véspera da Segunda Batalha de Moytura, Dagda encontra Morrigan no vau do rio Unshin, lavando as armas ensangüentadas e os cadáveres dos que viviam a tombar  no dia seguinte.

A Deusa então dá a Dagda informações sobre o combate, revelando seus dons proféticos. Igualmente, dá provas de coragem e poder quando afirma que ela mesma arrancará o coração do seu inimigo. Em pagamento, Dagda sacia seu apetite sexual, unindo-se a ela ali mesmo, em meio aos cadáveres que morrerão, enfatizando a íntima ligação entre a vida e a morte.
A união entre uma deusa "sombria" com Dagda, deus que traz vida e fartura, é a perfeita imagem do equilíbrio - especialmente por ocorrer no entremeio de água e terra (o vau), dia e noite (crepúsculo), ano velho e novo (Samhain). Nesse momento, Morrígan representa a Soberania da terra, e Dagda o legítimo líder que a desposa. Dessa união surge a vitória dos Tuatha Dé Danann.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Sapinha Informa: A Cailleach - Por Corujão

                                                                                                                                                                     Por Marcela Badolatto

A Cailleach é uma das mais importantes e mais imponentes deidades dentro da mitologia das regiões gaélicas da Escócia. Mas ela é também uma figura complexa e inconstante, sendo por vezes mais adequado referimo-nos a ela como parte de um conjunto de divindades ou espíritos destrutivos denominados Na Cailleachan, também conhecidas como “As Bruxas da Tempestade”.
A palavra cailleach significa “anciã” e deriva do Irlandês Antigo, caillech, véu (em irlandês atual, caille), o que evidencia uma proximidade ou mesmo derivação do latimpallium, cujo significado também é véu. Essa possibilidade é corroborada pela tendência das línguas gaélicas de trocar o ‘p’ pelo ‘c’ em palavras estrangeiras.


No antigo poema irlandês, Aithbe dam Bés mora ou ‘O Lamento da Anciã de Beare’, uma figura que podemos facilmente identificar com a Cailleach fala:


(…) sech am tróg, am sentainne.
Ní feraim cobra milis;
ní marbtar muilt dom banais;
is bec, is líath mo thrilis;
ní líach drochcaille tarais.
Ní olc lim
ce beith caille finn form chinn;
(…)

Não sou apenas miserável, mas sou uma velha
Não falo palavras adocicadas,
carneiros não são abatidos
para o meu casamento,
meu cabelo é escasso e cinzento,
ter um pobre véu sobre ele não causa desgosto.
Ter um véu branco em minha cabeça
não me causa tristeza.



A origem da palavra cailleach como “velada” pode ser um indício de sua associação com a imagem da freira. Na Irlanda antiga esse era um termo que trazia uma forte conotação de uma mulher que nunca se casou ou que se casou com Cristo, e com a ascenção do cristianismo as personagens mitológicas e dedidades pagãs foram sendo transformadas e adaptadas para serem aceitas pela nova religião. Em contrapartida, em áreas mais remotas, a cultura gaélica preservou a figura da Cailleach como deusa e regente do inverno, e a associação dela com o véu é muito mais significativa em sua imagem originalmente pagã: a imagem de uma velha feiticeira. No folclore escocês, ela é retratada como uma mulher muito velha, enorme, com um só olho, penetrante e afiado como o gelo, a pele escura, azul, os dentes vermelhos como ferrugem, os cabelos brancos e um véu sobre eles. Todas suas roupas eram cinzentas e ela jamais era vista sem seu manto malhado sob os ombros.

A Cailleach é uma divindade associada às forças mais brutais e destrutivas da Natureza, especialmente às forças do Inverno e da tempestade. Seu titulo mais conhecido é Cailleach Bheur. Este epíteto nos dá algumas possibilidades de interpretação: a palavrabheur é o genitivo de beur, cujos significados são “pontiagudo, afiado” assim como “claro, limpo”. É também a palavra para pico ou local de grande altitude. Esses significados ligam-se diretamente aos aspectos invernais dessa divindade, às características do gelo, da neve e das tempestades. A Cailleach também é, dentro das sobrevivências culturais, a construtora das montanhas e colinas, conectando-a, assim, aos lugares altos.
Outra possibilidade da etimologia do nome Cailleach Bheur encontra-se no registro mais antigo sobre ela, o já citado Aithbe dam Bés mora, O Lamento da Anciã de Beare. Esse poema, datado, aproximadamente, do ano 800, mostra a grande influência e passagem da mitologia irlandesa para as regiões da Escócia com a instalação do reino de Dál Riada. O título Anciã de Beare é, em irlandês antigo, Caillech Bérri, um possível cognato deCailleach Bheur.


 

Apesar de este ser seu nome mais difundido, ela é conhecida por muitas outras denominações em diferentes regiões. Na maior parte da Escócia, especialmente nas Highlands, ela é chamada Beira, Rainha do Inverno, enquanto que na lenda irlandesa, ela intitula-se Buí. Em algumas partes da Escócia é também chamada Mag Moullach e nas Lowlands de Gyre-Carline, sendo carline a palavra do Scots que corresponde a ‘mulher velha’. Na Ilha de Man é chamada de Caillagh ny Groamagh, Anciã Sombia, e Caillagh ny Gueshag, Anciã dos Feitiços, e é tida como um espirito da tempestade e do inverno, que aparece que no dia 1 de Fevereiro prenunciando como será o restante do ano. Um dia ensolarado denuncia que o ano será de má sorte. Na Escócia, a primeira colheita é dita como abençoada e a última amaldiçoada, recebendo o nome de a’chailleach. Outro nome interessante que ela recebe pelos habitantes da costa noroeste é Gentil Annie. Um apelido que pode ser sarcástico ou apaziguador, já que os pescadores atribuem a ela os ventos furiosos do começo da primavera.
Mas tradicionalmente a Cailleach não é apenas uma divindade destruidora. Como todas as deidades celtas, ela não possui um único aspecto ou função, mas uma multiplicidade. Sendo assim, a Cailleach é também uma deidade criadora. Tradicionalmente, ela é conhecida como sendo a mãe de todos os Deuses e Deusas, e também a responsável pela criação dos lagos, rios, montanhas e colinas. Uma das histórias antigas sobre a formação de alguns loch escoceses conta que Beira, Rainha do Inverno, tirava água todos os dias de uma fonte em Ben Cruachan, na região de Argyll. Todos os dias, ao nascer do sol, ela destampava a fonte e depois a tampava de novo quando o sol se punha. Um certo dia, por descuido, ela esqueceu-se de tampar a fonte e a água transbordou e jorrou, descendo pelas montanhas, rugindo como um mar furioso. E foi assim que veio a nascer o Loch Awe. Em outra ocasião, uma de suas empregadas, chamada Nessa, ficou responsável por destampar e tampar outra de suas fontes, localizada no condado de Inverness. No entanto, uma certa tarde, a moça de atrasou para cobrir a fonte e, quando ela aproximou-se, as águas saltaram em sua direção, fazendo-a correr por sua vida. Beira, sentada em Ben Nevis, a montanha que era seu trono, sentenciou: “Você negligenciou seu dever. Agora você correrá para sempre e nunca deixará a água.” A moça, então, transformou-se no Rio Ness e desembocou no meio de duas montanhas, formando assim o Lago Ness.

A criação das duas montanhas que rodeiam o Lago Ness também foi atribuída à Cailleach. Uma das razões pelas quais Beira construía as montanhas era para servir-lhe como degrau, por seu enorme tamanho. Outra razão era para servirem de casas para seus filhos gigantes, que eram chamados de Fooar, um possível cognato do irlandês Fomóiri. Os Fomóiri são uma tribo de Deuses usualmente ligados ao mar, mas existem também fontes onde são associados a torres de vidro, que podemos interpretar como uma metáfora para os icebergs. Alguns deles, como Indech, um de seus reis, são ditos como filhos da deusa Domnann, posteriormente chamada de Domnu, uma figura obscura e pouco citada no Lebor Gaballa Érenn, o manuscrito que conta a chegada dos deuses à Irlanda e um dos textos mais importantes da mitologia irlandesa. Embora não haja muitas evidências que digam ter sido De Domnann mãe de todos os Fomóri, a relação entre ela e a Cailleach reforça-se ao vermos ambas como divindades primordiais que regem as forças naturais mais selvagens e indomáveis.




O fato de ela receber o nome de Gentil Annie também nos permite fazer algumas associações interessantes. A Cailleach é conhecida como a mãe dos Deuses e Deusas. Uma idéia muito difundida é que, dentro da mitologia irlandesa, esse papel seria atribuído a Dana ou Danu, como deusa progenitora das divindades da tribo, os Tuatha Dé Dannan. No entanto, nos estudos dos textos irlandeses uma confusão costuma ser feita entre os nomes Dana e Ana. O nome Dana é uma especulação a partir do possessivo Dannan, não aparecendo como mãe dos deuses no Lebor Gaballa Érenn, nem em nenhum outro manuscrito. Por outro lado, em algumas versões, a figura que aparece como a mãe dos Deuses, é Annand, que o Lebor Gaballa Érenn aponta como sendo o nome da Mórrighan, já que An Mórrighan, de acordo com a maioria dos estudiosos, significa A Grande Rainha (do Irlandês antigo mor, ‘grande’ e ríogain, ‘rainha’), o que se encaixaria melhor como título, não como nome. O Lebor também indica como sendo dela as Dá Chích Anann, as Tetas de Ana, duas colinas redondas localizadas na província do Munster, o que a liga com as montanhas e colinas.

As características em comum entre a Cailleach e a Mórrighan são bastante fortes: a ligação com o tempo de morte, escassez, mas também com a força do nascimento. As figuras aproximam-se, inclusive, na descrição física, especialmente quando observamos o seguinte trecho do final da Batalha de Mag Rath:
“Sobre sua cabeça guincha
Uma bruxa magra, rapidamente pulando
Sobre a posição das armas e escudos;
Ela é a grisalha Mórrighan.”


Entretanto, em outras redações do Lebor, a deusa que é tida como mãe dos Deuses é Brigit, conhecida na Escócia como Brìde. Interessante notar que na mitologia escocesa, a maior parte das lendas relata Brìde e a Cailleach sempre em oposição. Enquanto a Cailleach rege o período escuro do ano, Brìde rege o verão e os dias claros. No entanto, algumas outras lendas as retratam como sendo a mesma.
O mito conta que ela nunca morria de velhice, pois todo começo de primavera ela bebia as águas mágicas da Fonte da Juventude nas Ilhas Verdes do Oeste. Algumas versões falam que ao beber dessa fonte, ela tornava-se uma jovem de cabelos loiros, bochechas rosadas e olhos azuis, vestindo o manto verde das pastagens e coroada com as mais diversas flores. Isso não explica apenas a possível identificação dela com Brìde, mas mostra, principalmente, a capacidade de regeneração dessa deidade e sua profunda ligação com os ciclos sazonais.

Nas regiões mais rurais da Escócia ela é celebrada em seu festival, o Latha na Cailliche, que ocorre por volta de 24 ou 25 de Fevereiro, visto como o dia em que seu reinado de inverno termina, dando lugar ao reinado de verão de Brìde.



quinta-feira, 2 de junho de 2011

O que eu desejo pra você

Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.
Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fieis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.
Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.
Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente.
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.
Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista
em rejuvenescer
E
que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.
Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.
Desejo que você descubra,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à  sua volta.
Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você se sentirá bem por nada.
Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas são feita uma arvore.
Desejo, outros sim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga "Isso é meu",
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.
Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.
Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.
E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar.


Vinicius de Moraes